há um instante que se abre
como acorde inaugural
nele, um sopro — não eterno, mas inteiro,
tece o fio invisível
entre o som e o sentir.

numa noite qualquer,
fomos tom que vibra, pele que escuta,
riso que pulsa com o compasso
de algo maior do que o agora.
e mesmo sem saber,
já tocávamos o silêncio que viria.

a vida, feita de sopros,
não avisa quando pausa.
ela gira, gira, gira —
e nos devolve à quietude
com as mãos ainda quentes do último refrão.

quem parte
deixa traços na partitura do tempo.
um acorde, uma intenção,
um gesto que não morre
porque ecoa em quem soube ouvir
com a alma exposta.

não é o fim do som,
é só seu repouso.
é o grave se curvando ao agudo,
o intervalo entre dois compassos
que ainda esperam ser preenchidos
pela memória que canta.

e quando o ar se retira
do peito do músico,
não se encerra a canção:
ela se firma na lembrança que ficou,
na pele de quem ouviu e se emocionou.

há sopros que cessam no corpo,
mas continuam no ar do instante.
residem na pausa do compasso,
na plenitude de um solo vibrante,
expressão intensa do ser
que transcende aquele espaço.

não é o fim.
é só a dobra do tempo,
onde a música repousa.
um breve silêncio que se curva,
e espera ser tocado.