falo ou me calo?
se escrevo, me exponho demais.
se sumo, talvez me esqueça de vez.
          cada gesto parece um erro,
e cada espera, um abismo.

eu sei que ardeu.
                 não foi fogo de palha,
         foi chama escolhida.
Uma união em tempo maduro,
      já marcados pela vida,
com coragem o bastante
           pra acreditar
que ainda era tempo
                      — e era.

mas a vida nos levou
             pra um lugar turvo,
         de palavras afiadas,
      e cansaços velados.
e nos perdemos ali —
entre o que não dissemos
e o que dissemos demais.

a saudade grita
                 dentro de mim
com um tom tão simples
quanto um “bom dia”.
         mas,
prendo os dedos,
    freio o impulso,
      visto um silêncio
que não me cabe.

Não é saudade romântica.
               É vontade de reparar.
De sentir o calor nos tijolos.
Não pra reconstruir o mesmo lar,
mas para evoluir e amar.

Não é fácil me manter ausente.
Minha natureza é presença,
sou daquelas pessoas que chegam
                      com o corpo inteiro,
e mesmo fisicamente distantes,
          ainda estão por dentro.

Eu caminho nessa corda bamba
                     entre o gesto e o recuo.
Entre ser quem aparece demais
ou quem some tanto que
                           já não importa.
A fronteira é sutil,
feita de arestas de memória
                 e vidro moído.
Dói, sem fazer barulho.

Eu queria saber —
          se te escrevo, invado?
   se não escrevo, abandono?
Fico refém da dúvida:
sou ausência por respeito
ou presença inconveniente?

E enquanto isso, vou me dobrando,
                               dia após dia,
                 pra caber no espaço
entre o respeito e a vontade,
entre o cuidado e a ausência,
entre o que ainda pulsa
               e o que já foi calado.

Não sei até quando fico.
Não sei até quando espero.
Não sei até onde vou.
Só sei que realmente quero.
     E saiba, de verdade:
         meu silêncio não é fim.
É o jeito mais gentil que encontrei
de não me perder tentando te alcançar.