chego devagar —
carrego algo de necessidade
uma chave de fenda ou alicate,
minha presença embrulhada em utilidade.

escondo no bolso a falta que ainda dói,
essa saudade crua que não se acomoda
nas visitas agendadas, nas horas medidas
que me parecem um tipo de poda.

quero oferecer alegria, leveza —
mas leveza tropeça na própria rima
e a alegria? sinceramente,
derrapa bem ali na esquina.

o menino gargalha, tua voz paira,
por um segundo o teto parece inteiro;
mas logo percebo: sou peça de reposição,
quando queria ser energia contínua —
pilha viva que acende no coração.

na hora de ir, fecho a porta devagar:
o eco dos brinquedos espalhados me segue,
a solidão ocupa o banco do passageiro,
e o tempo mostra que meu amor verdadeiro
não cabe em horários de visita regular.

ainda assim, volto sempre —
com outro parafuso, outra piada ensaiada,
na esperança de que um dia o encaixe seja pleno
e a melancolia, enfim, encontre descanso
entre riso e silêncio.