dizem que somos metades de laranja,
mas não das que a lâmina a laser divide:
somos cortes incertos, fibras que se rasgam,
casca irregular que guarda doçura em desalinho.

há quem percorra feiras e corações
procurando a peça exata e sublime —
geometria espelhada, proporção de vitrine,
como se o amor fosse vitral sem trinca.

buscam gomos idênticos, polidos,
esquecem que a seiva escorre nos desníveis,
que a essência pulsa nas reentrâncias
onde a luz hesita e o cheiro amadurece.

não quero tua metade perfeita, lisa,
quero a imperfeição que conversa com a minha:
o sulco onde sua fenda encontra minha protuberância,
o vazio onde tua crista encosta na minha falta.

ali se firma a união —
não num estalo de encaixe metálico,
mas num ajuste vivo, macio,
que respira, cede e nutre.

completude não é espelho:
é a soma dos gomos desencontrados
que, ao se tocarem, formam fruta inteira;
doçura nascida da alquimia do desnível.

se buscas metade sem ranhura
encontrarás apenas polpa sem sabor;
trago à mostra as minhas fissuras,
sem verniz nem medo — aceito as tuas,
para que se reconheçam como terra e semente,
e façam morada nesse grande amor.