há um rio em mim
que tentou represar o que doía.
e a água, quando para, apodrece.
fica espessa, escura, amarga.
é preciso esforço, vontade e intenção
para que a alma volte a correr.

hoje, o vento soprou de dentro da mata.
um chamado ancestral no santuário,
disfarçado de convite para um café.
o curandeiro, homem de sabedoria antiga,
me deu escuta e ouviu sem pressa,
como quem ouve a própria terra.

e no espaço entre uma fala e outra,
a energia do Todo me atravessou,
como uma força que costura,
com fios que o tempo não mostra,
mas que guiam o passo certo até o lugar exato.

o diálogo não era só conversa,
era rito sem altar.
a sala simples virou lugar de cura,
onde a espiritualidade —
essa ligação invisível que conecta tudo —
torna a fluir, circular e nutrir,
sem nome, sem dono, sem rótulos,
só forte presença.

falei da dor que ainda mora em mim.
do que nos foi tirado
num tempo de sombra e confusão,
quando eu e quem amo
não conseguíamos distinguir
o que soprava de fora,
do que doía por dentro.

acendeu o velaminho e depois…
só o silêncio — o curandeiro ouviu.
e quando a fumaça tocou o ar,
ele viu o que eu sempre senti:
um guerreiro de cabelos brancos,
de presença e força ancestral,
firme, real, ao meu lado,
que me protege e me fortalece.

não pedi respostas,
mas recebi escuta.
não busquei cura,
mas ela me encontrou,
entre uma fala e outra,
o fluir do rio se restaurou.

lembrei que sou chamado,
que a energia que me habita
carrega o nome do Todo —
seja qual for o nome que deem,
que a verdade nao grita, ela pulsa.
ele disse: tua missão é grande.
e o teu caminho — necessário.

a medicina do silêncio ele me relembrou,
um caminho de conhecimento e conexão,
onde o barulho externo e interno
sucumbem ao toque da espiritualidade.
uma pausa que alinha,
onde a voz do mundo cessa,
uma oração sem som,
que permite à voz de dentro falar.

e hoje,
mais do que saber,
eu sinto:
a água volta a correr em mim.
não porque empurrei,
mas porque começo a permitir
que o rio dentro de mim
retome seu curso e volte a fluir.

não foi coincidência,
foi o convite do invisível,
da espiritualidade que me acompanha.
e sigo —
sem respostas, mas com direção;
sem garantias, mas com propósito.
porque o rio não pergunta se há mar,
ele simplesmente corre.